26 janeiro 2009

Nascer Bem

É preciso mais ciência e tecnologia para nascer bem

Graciela de Souza Oliver

O parto natural é no Brasil um evento mais revestido de mitos antigos e modernos do
que de ciência e tecnologia. Raríssimos são os pesquisadores brasileiros que se dedicaram ao
tema como foco real de suas pesquisas, buscando entender o quê propicia o parto natural.
Há sim muitos estudos sobre as patologias do parto e sobre os índices de nascimento
e morte pré-natal nos sistemas de saúde público e privados brasileiros. Por esses estudos
nota-se que, a partir da década de 1980, os índices de cesáreas têm crescido vertiginosamente
no país, indo além do preconizado pela Organização Mundial da Saúde que é de 30%.
Paralelamente a esses índices, crescem também os números de bebês nascidos
prematuramente, em torno da 37ª. semana de gestação, por cesáreas desnecessárias ou
eletivas.
Nesse contexto parto natural (vaginal e sem intervenções) tornou-se algo do passado
ou coisa “de pobre”. Incontáveis são as razões para que a cesárea se perpetue como a forma
mais segura e benéfica de nascer no país, infelizmente. Mas dentro do serviço de saúde
pública e privada de Belo Horizonte podemos ter uma idéia de por que isso acontece.
Em uma dissertação de mestrado defendida na PUC/MINAS em março de 2008,
Mônica Bara Maia conseguiu identificar os impedimentos e limites para que o parto natural seja
compreendido como parto humanizado, tal como foi definido no Programa de Humanização no
Pré-Natal e Nascimento, de 2000, e na Política Nacional de Atenção Obstétrica e Neonatal, de
2005.
O primeiro impedimento à adoção dessas políticas elaboradas pelo Estado Brasileiro é
o modelo de assistência à saúde que é centrado no hospital e no médico. Nesse sistema os
hospitais buscam ser centros de referência em diversas especialidades, por meio do uso de
tecnologia de ponta, e os médicos de ganham por procedimentos realizados no plantão. Nesse
esquema não há lugar para o parto que não necessita de intervenções.
Outras dificuldades citadas para a implementação das políticas de humanização são a
queda na taxa de natalidade, desmotivando a criação de maternidades nos novos modelos, a
disputa da obstetrícia por médicos e enfermeiras obstetras, que atuam perante o parto com
diferentes valores e status profissionais, a diversidade de tipos de instituições hospitalares, que
podem ou não valorizar o parto humanizado por razões distintas do que as intenções originais
contidas nas políticas, a ausência de uma cultura médica que se paute na evidência científica
perante o parto natural, a crença dos médicos de que o imprevisível pode ser sinônimo de
risco, ao invés de individualidade e empoderamento feminino.
Conclui a autora que “A medicina, ao tentar desvendar os enigmas das patologias do
parto, acabou por transformar todo parto em patológico”. Em outras palavras parto normal
ainda será por algum tempo sinônimo de deitar a mulher em trabalho de parto, dificultando a
sua dilatação, fazer uso de ocitocina, aumentando a sua dor, fazendo-a então requisitar o uso
de anestésicos, dificultando ainda mais a sua dilatação, concentração e consciência.
Essa situação, diz Mônica, seria um reflexo de decisões institucionais tomadas
anteriormente, quando, por exemplo, decidiu-se pagar mais ao médico que realiza a cesárea
no início da década de 1970. A entrevistada ainda salienta que a partir dessa mesma data a
cesárea foi tomada como um resgate da dignidade feminina, tamanhas eram e ainda são as
brutalidades cometidas no parto normal hospitalar.
Nesse sentido além de superar esses entraves é preciso unir as políticas de
humanização e as discussões de gênero, perguntando por quanto tempo ainda aprovaremos o
uso da ciência e da tecnologia para cometer verdadeiros atos de violência contra a mulher e o
recém-nascido.

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