05 dezembro 2008

Relato de Letícia

Complicado isso não? Pegar uma folha em branco e tentar colocar aqui, tudo o que envolveu o nascimento de nossa flor do campo, Yasmim. Todas as emoções, sentimentos, medos, angústias, alegrias, vitórias, tudo. Todo o racional e todo o irracional. E para que?

Me peguei pensando diversas vezes: Tenho que escrever o relato de parto ... tenho ... tenho ... tenho.

E tenho? Me pergunto, para que escrever um relato, sendo que tudo que eu vivi, juntamente com minha família, em meu lar, está cravado na minha memória. São vivências que NUNCA esquecerei, pois foram intensas, reais, realmente vividas.

Então, me lembro de que, em algum momento, frases lidas nos diversos relatos de parto, nas listas de discussões e nas conversas com as amigas cibernéticas foram importantes no meu processo de empoderamento. Lembro que durante o trabalho de parto, revivi muitas falas. É como se eu me conectasse, com todas as mulheres que passaram pela experiência de parir. É como se uníssemos todas as forças em prol de um nascimento cada vez mais humano, mais digno, mais respeitoso. Ler as vivências das mulheres me remetem a vivencias até mesmo ancestrais. Por isso, acho que o relato de parto é útil, é significativo, é válido. Sendo assim, colocarei aqui, mais uma peça nesse circulo sagrado. A cada mulher que consegue parir, que confia em seu corpo e deixa a natureza agir, é um passo adiante, uma vitória para todas as mulheres do mundo.

A gravidez
Bem diferente da primeira, senti enjôos, azias. Não inchei e não tive tempo de pensar e curti-la bem. Estava trabalhando muito, com muitas responsabilidades e ainda tinha minha princesa Nicole, tentando entender aquela barriga enorme da mãe que insistia em crescer; tentando achar um espaço no meu colo. Por sinal, ela ganhou colo até mesmo no dia que a Yasmim nasceu, mesmo com o barrigão!

A decisão pelo Parto Domiciliar
Procurei um médico por indicação, humanizado. Fiz algumas consultas com ele e disse que a minha principal preocupação era ONDE seria o parto. Ele me disse da casa de parto Sofia Feldman (que eu já conhecia) e falou dos hospitais. Mas nada me agradava. Então este médico precisou fazer uma viagem para o Japão (para um curso) e só retornaria no final de julho (minha DDP era 25/07/08). Por isso, ele me indicou o Dr. Lucas para fazer o pré-natal.

Fui a algumas consultas com o Dr. Lucas e me senti muito tranqüila com ele. Ele é uma pessoa calma, serena, que gosta de atender gestantes e gosta do assunto parto. Passávamos boa parte da consulta conversando sobre esse assunto, como se estivéssemos em casa tomando chá. Eu falei com ele das minhas preocupações com o local do parto e ele me disse que “lutaria” comigo, no hospital, para que o atendimento fosse feito da forma que deve ser (não intervencionista). E que até onde ele pudesse ir, ele iria, mas com o pediatra da sala de parto, teríamos que negociar/conversar/convencer.
Essa situação não me agradava. Estava angustiada. Além disso, eu e meu marido não queríamos deixar a Nicole em casa, ou na casa de alguém para ter a Yasmim. Como isso passaria na cabeça dela? Onde minha mãe foi buscar esse bebe? Que situação ridícula ... pensem .... a mãe, barriguda sai, fica fora dois dias e volta com um bebe nos braços dizendo: Olhe, esta é sua irmã!

Por todas essas questões, eu evitava de pensar no dia P. Minhas amigas, os conhecidos e familiares me perguntavam onde seria o parto e eu nunca tinha uma resposta para dar. Sempre dizia que estava pensando ainda. Esta situação incomodava a todos já que o final da gravidez chegava e eu não tinha uma resposta para dar. Não tinha a resposta porque na verdade, ela estava incubada, dentro de mim e do meu marido.

Algumas noites eu e meu marido conversávamos sobre onde seria o parto. Falamos dos prós e contras da casa de parto e hospitais. Mas nenhuma das opções nos atendia, nos satisfazia.

Então, eu que andava meio sumida da lista Parto Nosso, entrei para ler algumas mensagens e a primeira que vi foi o relato de um parto domiciliar. Era o segundo parto da Elade. Parto rápido, tranqüilo. Li, achei super engraçado, tranqüilo, emocionante. Imprimi e trouxe para casa para meu marido ler. Comecei a ler e não sei porque, não terminei.

No dia seguinte, estávamos falando de parto novamente e eu disse: e se fosse aqui em casa? Para minha surpresa ele disse: Tudo bem. Acho ótimo!

Hã? Rápido assim? Não tive que convencê-lo? Que segurança era aquela? E agora? Sou eu, comigo mesmo. Ele não é empecilho. Os problemas estão na minha cabeça... Então, deixa eu resolver isso logo. Já estava com 36 semanas.

Escrevi para as amigas cibernéticas e para a lista da parto nosso, dizendo que estava elaborando a idéia de um PD. Recebi várias respostas, muito importantes! Cada mensagem recebida ficou cravada na minha memória. E eu refletia, pensava, pensava.

Estava insegura com o parto domiciliar porque eu achava que eu estava CONFIANTE DEMAIS. Oh meu Deus, como nós somos condicionados a pensar em problemas, não?

Então, comprei o livro do Ric Jones (Memórias de um Homem de Vidro). O livro chegou e eu estava com 37 semanas. Comecei a ler rapidamente, como se buscasse alguma resposta ali. Numa tarde de domingo, minha filha estava dormindo, como de costume e eu também estava dormindo. Porém acordei primeiro que ela (fato inédito já que sempre acordava com ela me chamando). Meu marido dormia também então fui para a sala ler o livro. Li o capitulo da Madalena. Chorei compulsivamente com as últimas palavras do capitulo. Estava ali a resposta que eu tanto buscava: Coisas da alma!

Para quem não conhece o livro, este capitulo trata da história de uma mulher que teve 5 filhos em casa. Todos os partos muito rápidos e tranqüilos. Vale a pena conhecer a história.

Madalena foi para mim, a chave que fechava todo o processo de decisão que eu estava vivendo. Eu falava em parto domiciliar desde sempre, mas sempre tinha medo. Depois, quando resolvi que faria, tinha medo porque estava muito confiante. Porém, como estamos acostumados com a matrix, ter um problema, um perigo era como se fosse um fato real. Algo não estava certo porque para mim eu tinha que enxergar o problema. Mas o fato é que: não há problemas. Parir em casa é simplesmente parir. É coisa da natureza, coisa da vida, coisa da alma... Para mim, é mais que um evento fisiológico... É um acontecimento mágico. A partir daí, me entreguei de corpo e alma nesse processo!

Nesse momento já estava com 38 semanas então precisava me acertar com as enfermeiras obstetras e o obstetra que me auxiliariam no parto. Fiz contato com a Miriam e a conheci. Conheci a Sibylle também, já que a Miriam tinha uma viagem marcada para minha DDP. Combinei com o Lucas o acompanhamento dele. Pronto. Estava tudo certo!


O trabalho de parto
Não sei ao certo, que dia começou. Lembro que na quinta-feira, antes de completar 40 semanas, o tampão começou a sair. Eu já andava ansiosa, já que minha primeira filha tinha nascido com 39 semanas. Nesta gravidez, eu insistia em ter a referência da primeira gravidez, mas desde o início ela foi bem diferente. As contrações doloridas já estavam presentes a uma semana.

Resolvi não trabalhar nesta quinta-feira, já que precisava andar 40 minutos ou mais de carro para o deslocamento. Fiquei trabalhando em casa (home office). Tinha a expectativa do TP começar a qualquer momento. Mas que nada. Tudo ficou na mesma.

Na sexta, eu tinha consulta pré-natal. Fui e pedi um exame de toque. Já estava com 2 cms de dilatação. Do consultório passei na empresa, fiz 3 reuniões rápidas e a última delas beeeeem estressante. Nesse momento já estava sentindo contrações mais doloridas e freqüentes mas não parei para contar o intervalo. Sai de lá cansada, nervosa e doida para chegar em casa.

Como estava completando 40 semanas, eu tinha um pedido para um ultrason. Resolvi fazer. Quanto arrependimento. Estava eu, na clínica, aguardando autorização do plano de saúde e sentindo contrações bem regulares. Eu pensava: meu Deus, o que estou fazendo aqui? Minha filha vai nascer hoje e eu igual boba fazendo ultra-som a toa........

Fiz o ultra e identificaram uma circular de cordão. Por incrível que pareça o médico do ultra não fez terrorismo. Eu pensei: ta vendo sua boba. Vai fazer ultrason a toa e dá nisso. Só faltava eu ficar preocupada com essa circular e atrapalhar tudo..... Mas eu estava confiante demais e nem me lembrei de contar esse “detalhe” para a parteira.

Fui para casa e tentei relaxar. Estava sentindo muitas contrações mas teimava em não contar o intervalo entre elas. Até que comentei com meu marido e ele me deu uma bronca e disse: Letícia, não brinca com isso. Veja como está o intervalo e avisa a Sibylle. Começamos a cronometrar e estava de 10 em 10 minutos.

Ainda dei janta para minha filha, brinquei com ela, deitei com ela para ela dormir e fui tentar dormir por volta de 21:00 hs. Pensei que, se o TP fosse aquela noite eu precisaria estar descansada, portanto precisava dormir.

Dormi, mas a cada contração era como se eu acordasse. Eu as sentia e voltava a dormir. As 00:00 acordei e não consegui dormir mais. Resolvi verificar de quanto estava o intervalo e cronometrei até 01:00 da manhã. Estavam de 3 em 3 minutos. As vezes 4 ou 5 minutos. Enquanto isso, eu fazia xixi depois de cada contração. Limpei o intestino também. Era meu corpo se preparando para o momento. Meu marido me deu uma nova bronca e me fez ligar para a enfermeira obstetra e o médico. Liguei para a Sibylle e para o Lucas e passei a situação. Combinamos que Sibylle viria, me examinaria e então ligaria para o Lucas.

Desliguei o telefone e fui ao quarto de Nicole. Enquanto ela dormia, dei um beijo nela, fiz um carinho e disse a ela que nossas vidas seriam bem diferente daqui para a frente. Que a irmã dela estava a caminho e que ela nunca esquecesse o tanto que a amo. Agradeci por ela existir e por ela ter me ensinado a ser mãe. Disse a ela, que só estava passando por aquele momento porque a vinda dela me deu segurança o suficiente para confiar em mim e no meu corpo. Que ela é peça fundamental dessa história.

Agradeci a Deus por estar em casa e por poder dizer tudo isso para minha filha. Se estivesse num hospital, não teria essa chance!

Sibylle chegou por volta das 02:00 hs da manhã, me examinou e verificou que eu tinha 4 cms de dilatação. Em 15 minutos (deitada) eu tive apenas duas contrações. Acontece que quando eu deitava, tudo parava. Quando eu andava, me movimentava, as contrações ACONTECIAM!

Sibylle foi ficar na sala e meu marido foi ficar com Nicole, que insistia em acordar (apesar de não ter nenhum barulho em casa). Nicole sempre que acorda a noite, me chama e quer minha companhia. Então o pai teve que “rebolar” para que ela aceitasse a companhia dele. Nesse tempo eu andava pela casa, sentia as contrações, as vezes acocorava, as vezes ia para a varanda tomar o ar da madrugada. Quando apertava, entrava no chuveiro. Depois saia e ia caminhar. Andava do meu quarto para a área e voltava. Parava na cozinha, na copa, no corredor quando vinha uma contração. Respirava fundo, para baixo, ajudando a contração a fazer o seu trabalho.

Nesse momento, tudo o que li, ouvi, falei sobre o assunto passava na minha cabeça como se fossem flash backs..... Mergulhei fundo no trabalho de parto e não vi a hora passar. Lembro de dizer para meu marido, num dos poucos momentos que ficamos juntos (já que ele estava por conta da Nicole que insistia em ficar acordada) que queria que Yasmim nascesse antes das 05 horas da manhã. Ele me disse para ter calma, que ela nasceria na hora dela. Ele também me disse para tirar a calcinha já que eu fazia xixi depois de cada contração e ficava lá, igual boba, colocando e tirando a calcinha..... rsrs .... eu estava em casa e tinha esquecido dos benefícios .... rsrsrs

Lembro de ter agradecido por estar em casa. Lembro de não ter sentido falta de ninguém. Estava perfeito. Eu e meu corpo se conhecendo, se encontrando.

O Expulsivo
Num certo momento as contrações começaram a ficar MUITO doloridas. Chuveiro já não adiantava. Acocorar doía demais. Andar era impossível. Fui chamar a Sibylle mas desisti no meio do caminho (no intervalo das contrações). Uma das coisas que não queria era fazer exames de toque demais e fiquei com medo de estar me precipitando. Daí, veio uma contração bem punk e eu dei meia volta e fui chama-la.

Ela me perguntou se eu estava sentindo os puxos. Eu disse que sim, um pouco. Na verdade estava sentindo muito, mas estava com medo de estar me precipitando. Então ela solicitou que eu deitasse para fazer um exame de toque. Eu deitei e as contrações pararam. Então ela disse:
- Menina, já vai nascer!!!!!

E eu disse:
- Como assim? Sério?

Então, meu marido escutou a movimentação dela se preparando e eu tentando achar a melhor posição e veio ver o que era. Eu disse: vai nascer. Ele embrulhou Nicole no cobertor e a levou para a casa da minha mãe no andar de baixo. E voltou correndo.

Eu quis sentar no banquinho de cócoras. Colocamos ele perto da minha cama. Meu marido sentou na cama, atrás de mim e me apoiou. Apagamos a luz e acendemos um abajour. Sibylle sentou no chão e calmamente esperou. Achei aquela cena maravilhosa.

Daí, não acreditei que ia nascer. Eu não estava sentindo taaanta dor assim e os puxos eram fortes mas nem tanto. Aquilo não ia trazer a Yasmim para esse mundo. Então comecei a dizer que não ia nascer e a Sibylle disse que ia sim. Falou para eu colocar a mão e senti-la. Coloquei e não senti nada ... acho que coloquei direito ... hehe.

Vinham algumas contrações, com puxos mas eu não sentia Yasmim vindo. E dizia: não vai nascer. E Sibylle e meu marido diziam: vai sim!

Então, veio uma contração e um puxo violento. Gente, o que que é aquilo? Parecia um trator, um rolo compressor dentro de mim. É IMPOSSÍVEL não fazer força. Não estava sob meu controle. A força vem ... está dentro da gente. Eu fiz força e senti Yasmim descendo, passando por dentro de mim, girando. Senti tudo. Nesse momento ela saiu até os ombros. Eu sentia muita dor, sentia ela no meio de mim, queria que ela saísse rápido. Gritei: - Puxa, puxa. Sibylle disse: Calma, já vai sair na próxima contração. E meu marido disse: Não pode puxar. Calma.

Mais uma contração logo em seguida e pronto: NASCEU!

Sibylle a pegou e disse: - olha Letícia, olha!!! Eu estava de olhos fechados, exausta, encostada no meu marido. Então abri os olhos e vi aquela obra divina, linda, maravilhosa, rosa, pequena, limpinha.

Instintivamente extendi os braços para recebê-la. Eu estava de camisola então pedi meu marido para tira-la, para termos contato pele a pele. Ela chorou muito ao nascer. Ofereci o peito, mas ela não quis. Chorava.

E eu falei com ela: - oi minha linda. Está tudo bem. Conseguimos. Ofereci o seio novamente ela sugou forte!

Pedi ao meu marido para buscar a Nicole para conhecer a irmã. Enquanto isso, ficamos esperando a placenta sair. Eu sentia algumas contrações que estavam me incomodando e não sentia a menor vontade de fazer força.

Nicole chegou, junto com minha mãe e conheceu a irmã. Sorriu mas também quis meu colo. Deu um beijo no bebe e pediu meu colo novamente. Depois de uns de uns 20 minutos eu pedi a Sibylle para tirar a placenta. Eu queria sair daquele banquinho, queria parar de sentir contrações e estava sentindo a placenta no meio de mim, me incomodando. Então a placenta saiu e eu fui tomar banho enquanto o pai carregava a nova cria.

Depois do banho fui pegar a Nicole, coloca-la no meu colo para ela finalmente dormir. Ela tomou seu leitinho e dormiu como um anjo. Yasmim também dormia, então fomos todos descansar!

Então percebemos que não deu tempo de ligar para o Dr. Lucas, portanto ele não participou do parto (infelizmente). Queríamos muito a participação dele.

E assim foi nossa história. Um parto rápido, tranqüilo, sereno, no aconchego do nosso lar. Yasmim não teve nenhuma intervenção. Eu não tive nenhuma intervenção e nem laceração. Nossa decisão pelo parto domiciliar não poderia ter sido melhor!

Meu marido fica falando do terceiro. Que será domiciliar novamente. Eu nem respondo, porque não vai ter terceiro filho! ... rsrs!

Letícia – nascida de Parto Normal Hospitalar em 1980
Paulo – nascido de Parto Normal Hospitalar em 1976
Nicole – nascida de Parto Normal Hospitalar em 2006
Yasmim – nascida de Parto Domiciliar em 2008

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